Nem uma única mulher em escritórios, universidades ou escolas. Nenhuma nas ruas ou nos transportes públicos. Nem em lojas, restaurantes ou locais de entretenimento. Por um dia, o México tem que ser um país sem mulheres. Esta é a proposta de um colectivo de associações feministas para o próximo dia 9 de Março.
Por Magdalena Sepúlveda (*)
Sob o slogan #UNDÍASINNOSOTRAS, elas convocam uma greve nacional contra a violência de género, a desigualdade e a cultura do machismo. O apoio que conseguiram surpreendeu, ultrapassando as barreiras das classes sociais ou das preferências políticas.
Na verdade, o movimento vai muito além do México. Depois de vários dias sem mulheres em outros países – a Islândia foi pioneira em 1975, seguida por mobilizações na Polónia, na Suíça, nos Estados Unidos e na Argentina, entre outros – organizações de todo o mundo estão apelando para que a greve assuma uma dimensão global.
Chamar a atenção para a situação das mulheres virou uma emergência. Apesar da retórica, os direitos delas estão sendo constantemente violados em todo o mundo. A violência, cujos níveis se tornaram intoleráveis – e não só no México – é um dos principais problemas. Todos os dias, uma média de 137 mulheres em todo o mundo são mortas pelos seus parceiros ou por um membro de suas famílias , de acordo com as Nações Unidas. Em Angola, pelo menos 35% das mulheres sofreram um tipo de violência pelos seus parceiros.
No entanto, esta não é a nossa única luta. Na frente económica, a injustiça também é flagrante. Os homens possuem 50% a mais da riqueza total do mundo do que as mulheres. Em média, as mulheres recebem 77% do que os homens recebem por um trabalho com a mesma exigência de formação e de responsabilidade. O próprio Fórum Económico Mundial estima que serão necessários 202 anos para eliminar a diferença salarial entre homens e mulheres.
No cerne das desigualdades de género está a distribuição desigual do trabalho doméstico e de cuidado. São as mulheres que suportam o maior fardo de cuidar de crianças, idosos e pessoas com doenças ou deficiências. Também somos nós que fazemos a maioria das tarefas domésticas diárias, como cozinhar, limpar, lavar, consertar e ir buscar água.
A invisibilidade da contribuição das mulheres nesta área é imensa. Mulheres e meninas, sobretudo as que vivem na pobreza, passam 12,5 bilhões de horas por dia cuidando de outros gratuitamente. Segundo a Oxfam, este trabalho acrescenta um valor à economia de pelo menos 10,8 trilhões de dólares por ano, um valor três vezes superior ao da indústria tecnológica global.
A nível mundial, estima-se que 606 milhões de mulheres estão excluídas do mercado de trabalho devido às suas responsabilidades familiares não remuneradas. Mesmo quando conseguem trabalhar, as mulheres ficam muitas vezes presas em trabalhos informais e mal remunerados, com horários flexíveis que permitem a segunda jornada não remunerada em casa. Significa também menos protecção social, com consequências para os rendimentos actuais e futuros em termos de direitos previdenciários.
E isto deve piorar com as consequências das alterações climáticas. Estima-se que até 2025, até 2,4 bilhões de pessoas estarão a viver em áreas sem água o suficiente, o que significa que mulheres e meninas serão obrigadas a caminhar cada vez mais para encontrá-la. O surgimento de graves crises de saúde pública, como o coronavírus, também vai exigir cada vez mais do tempo das mulheres.
O avanço da igualdade de género torna imperativo reconhecer, reduzir e redistribuir o trabalho doméstico e de cuidado. Isto exigirá a criação de serviços públicos de qualidade, tais como creches, centros de saúde e lares para idosos. Também é necessário investir em infra-estruturas como água potável, saneamento e electricidade. Estas medidas permitiriam às mulheres recuperar tempo para o trabalho, mas também para descansar, envolver-se na política ou ter tempo livre.
Como pode este esforço ser financiado nestes tempos de austeridade fiscal? O avanço da igualdade de género requer um novo pacto fiscal. Por um lado, devem ser concebidos sistemas fiscais progressivos que procurem corrigir as desvantagens socioeconómicas, de forma a evitar que as mulheres suportem uma carga desproporcional. Por outro lado, é necessário aumentar os recursos fiscais à disposição dos governos, melhorando a eficiência da cobrança de impostos, mas também por meio de um verdadeiro combate à evasão fiscal.
Para se ter uma ideia, tributar mais 0,5% da riqueza dos 1% mais ricos nos próximos 10 anos é equivalente ao investimento necessário para criar 117 milhões de empregos na educação, saúde e cuidados para os idosos e outros sectores, de acordo com as estimativas da Oxfam. Se esse aumento fosse sobre os impostos que pagam as multinacionais, o impacto nas finanças públicas seria ainda maior.
E é por isso que é urgente reformar o sistema fiscal internacional – inalterado durante um século – para que as grandes empresas – e os super-ricos que as controlam – finalmente paguem a sua justa parte de impostos. Hoje, exércitos de advogados e assessores manipulam o sistema fiscal internacional para permitir que as multinacionais escondam os seus lucros em paraísos fiscais, de maneira legal. Isso se traduz em perdas de 200 bilhões de dólares por ano para os países em desenvolvimento, nos quais as mulheres são as primeiras vítimas.
É por isso que nós, no ICRICT, uma comissão para a reforma fiscal da qual sou membro, estamos convencidos de que enfrentar a grave crise da desigualdade, incluindo a desigualdade de género, requer uma reforma significativa do sistema internacional de taxação das grandes empresas. E hoje há uma oportunidade histórica para fazê-lo.
A raiva dos cidadãos de todo o mundo levou, de fato, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), o clube dos países ricos, a propor uma reforma das regras fiscais globais. Já não era sem tempo. No entanto, como explicamos num relatório recente, estas propostas não são nem ambiciosas nem justas. Elas continuam a reflectir, sobretudo, a vontade das multinacionais e das elites. Como resultado, se forem aplicadas, elas perpetuarão as desigualdades económicas e sociais e a cultura do patriarcado.
Declarar-se feminista requer repensar as estruturas económicas e sociais que impedem a igualdade de género. Não basta apenas apoiar as que, no México e em outros lugares, vão participar das greves de mulheres. Significa também exigir que as grandes empresas e os mais ricos paguem, finalmente, o que devem.
(*) Directora Executiva da Global Initiative for Economic, Social and Cultural Rights e membro da Comissão Independente sobre a Reforma Tributária Internacional das Empresas (ICRICT). De 2008 a 2014 foi a Relatora da ONU sobre Pobreza Extrema e Direitos Humanos.